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O coronavírus é um alerta para a gestão da cadeia de suprimentos

Thomas Y. Choi, Dale Rogers e Bindiya Vakil

Havard Business Review

As equipes de compras se esforçam no enfrentamento da pandemia global da COVID-19 enquanto tentam se atualizar nas notícias sobre medidas mundiais de resposta à crise, além de trabalhar incessantemente para garantir a oferta de insumos e componentes e proteger as linhas de abastecimento. No entanto, nem sempre as informações fundamentais estão disponíveis ou acessíveis para as equipes como um todo. Como resultado, a resposta delas ao momento de ruptura tem sido reativa e descoordenada, e o impacto da crise vem afetando toda a força de trabalho de muitas empresas.

Por outro lado, pouquíssimas empresas que investiram no mapeamento das suas redes de suprimentos antes da pandemia surgiram mais bem preparada. Elas têm melhor visibilidade da estrutura de suas cadeias de suprimentos. Em vez de perderem tempo, têm muita informação disponível em poucos minutos sobre uma potencial ruptura no abastecimento. Sabem exatamente quais fornecedores, locais, peças e produtos estão em risco, o que lhes garante o lugar na primeira fila para assegurar acesso a estoques restritos e a locais de compra alternativos.

Apesar das turbulências na cadeia de suprimentos impostas pelos desastres dos últimos dez anos – inclusive a erupção de um vulcão na Islândia, o terremoto e tsunami no Japão, inundações na Tailândia, além dos furacões Maria e Harvey – muitas empresas ainda estão despreparadas para enfrentar a pandemia da COVID-19. Setenta por cento de 300 entrevistados em uma pesquisa conduzida pela Resilinc entre o final de janeiro e o início de fevereiro – logo após o início do surto do novo coronavírus na China – disseram estar ainda na fase de coleta de dados e avaliação, tentando manualmente identificar quais fornecedores tinham sede nas regiões específicas da China afetadas pelo lockdown. Há uma variedade de motivos para esse problema – e soluções em potencial.

Os recursos necessários ao mapeamento da rede de suprimentos são caros.

Muitas empresas e líderes falam da necessidade de fazer o mapeamento de uma rede de fornecedores como uma estratégia para mitigar riscos, mas não chegaram a fazê-lo devido à percepção do grande montante de trabalho e tempo empregados na tarefa. Executivos de uma grande empresa japonesa fabricante de semicondutores disseram que foi necessária uma equipe de cem pessoas trabalhando por mais de um ano para mapear de forma abrangente as redes de fornecedores da empresa na sequência do terremoto e tsunami que atingiram o país em 2011. Isso explica por que a maioria das empresas acaba agindo como uma organização sul-coreana do segmento de bens de consumo que, recentemente, afirmou saber da necessidade de mapear suas redes de fornecedores, mas que ainda não tinha feito isso por causa das dificuldades envolvidas no processo.

Em consequência, muitas empresas continuam a confiar na inteligência humana do alto da organização, e escolhem uns poucos fornecedores da base. Mas as informações coletadas através de relacionamentos pessoais são tipicamente informais, e, na maioria das vezes, não passam de meras suposições. E, quando o pessoal de compras deixa a empresa, muda de função, ou se aposenta, esse conhecimento costuma ir embora com essas pessoas. Pode levar anos até que novos funcionários conheçam fornecedores imediatos. O que dizer, então, dos fornecedores dos fornecedores e suas características globais?

Sim, o mapeamento das redes de suprimentos pode ser complicado e consumir muitos recursos. No entanto, não existe outra solução. As empresas vão descobrir que o valor do mapeamento é maior do que o custo e o tempo empregado em desenvolvê-lo.

A abordagem mais comum é tomar como base a conta de materiais e se concentrar nos componentes mais importantes. Normalmente, começa-se pelos cinco primeiros produtos, de acordo com a receita, descendo-se para os fornecedores dos componentes deles, e depois para os fornecedores desses fornecedores, até se chegar aos fornecedores de insumos. O objetivo deve ser chegar ao maior número possível de camadas, pois sempre pode haver fornecedores essenciais escondidos sem que a empresa compradora tenha conhecimento deles. O mapeamento também deve conter informações sobre quais atividades um fornecedor primário desempenha, as localidades alternativas desse fornecedor que possam desempenhar a mesma atividade, e o tempo necessário para que esse fornecedor comece a despachar dessa localidade alternativa.

Uma nova leva de empresas do setor de serviços pode ajudar na aquisição e análise dos dados da rede de suprimentos e organizar os resultados de forma mais acessível ao usuário. Esses serviços nem sempre mapeiam as redes de suprimentos até a base dos insumos, mas podem ser um começo. Algumas das empresas operando nessa área são Elementum, Llamasoft e Resilinc. (Informação: Bindiya Vakil, uma das autoras deste artigo, é fundadora e CEO da Resilinc.)

A função do departamento de compras é avaliada por economia de custos, não por garantia de receitas.

A maior parte das atividades do departamento de compras se concentra em torno da economia de custos, o que significa a obtenção de suprimentos ao menor custo possível desde que se encaixem nos padrões de qualidade especificados.

Quando a função de compras precisa recorrer a medidas excepcionais para garantir o abastecimento dentro dos prazos (ou seja, pagando um prêmio para obter frete expresso, ou para a compra de peças ou materiais), os custos mais elevados são repassados para outras áreas da organização (a função logística, no caso dos fretes expressos, e a função financeira, no caso de preços mais altos de insumos e peças). Ninguém costuma perguntar: Por que foi necessário usar o frete expresso ou pagar mais caro nas compras?

As pessoas envolvidas em compras, logística e financiamento da cadeia de suprimentos precisam conversar entre si sobre que diferenças (ferramentas, informações, pessoal, processos, etc.) precisam ser ajustadas para proteger a empresa de eventos disruptivos futuros e como alinhar os objetivos da área de compras com os demais objetivos da empresa.

A ruptura na cadeia de suprimentos não costuma fazer parte da métrica de performance dos fornecedores. 

Quando ocorre uma tragédia, todos sofrem da mesma forma – compradores e fornecedores. Por isso, faz todo sentido que as empresas incorporem métricas relacionadas à ruptura nas suas avaliações de fornecedores.

Por exemplo, ao selecionar um fornecedor e elaborar o contrato inicial, muitas grandes empresas incluem termos exigindo que eles participem de suas iniciativas anuais de mapeamento da cadeia de suprimentos. Na hipótese de eventos de força maior, como a atual pandemia, esses mapeamentos podem ser usados como um roteiro para soluções à crise.  (Fornecedores da China fizeram mais de 3 mil declarações de força maior durante os primeiros meses da crise da COVID-19. Os contratos devem também expressar o tempo previsto de recuperação e os métodos utilizados para isso.

Após a dissipação da crise do novo coronavírus, veremos as empresas sendo classificadas em duas categorias. Haverá aquelas empresas que nada fizeram, esperando que uma ruptura como essa nunca mais se repita. Essas estarão entrando em um jogo altamente arriscado. E haverá as empresas que prestaram atenção às lições da crise e fizeram investimentos no mapeamento de suas redes de suprimentos, para não precisar operar às cegas quando a próxima crise acontecer, refazendo os contratos para chegar rapidamente a soluções em períodos de rupturas. Essas empresas serão as vencedoras no longo prazo.

FONTE:

Thomas Y. Choi é professor de gestão da cadeia de suprimentos na W. P. Carey School of Business da Arizona State University. Choi é um dos diretores da Complex Adaptive Supply Networks Research Accelerator (CASN-RA).

Dale Rogers é professor do Departamento de Gestão da Cadeia de Suprimentos na W. P.  Carey School of Business da Arizona State University

Bindiya Vakil é CEO e fundadora da Resilinc, empresa que fornece serviços de mapeamento da cadeia de suprimentos e monitoramento de dados de risco. Vakil é fundadora da Global Supply Chain Resiliency Council e titular da cadeira do Conselho Consultivo do MIT Center for Transportation and Logistics.

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